#12: Dormir bem também é tratamento

Intervenção simples, efeito real e duradouro.

EDIÇÃO #12

The Peds Journal

A newsletter da pediatria baseada em evidência - com leveza, profundidade e algumas risadas, por que não?!

Antes de prescrever metilfenidato…

Prescreva uma boa noite de sono! Parece óbvio, mas não é… e é essa publicação do British Medical Journal que vamos discutir hoje!

🧠 Como você vai ficar mais inteligente hoje

Tema: Impact of a behavioural sleep intervention on symptoms and sleep in children with ADHD, and parental mental health

  • Por que você deveria se importar?

  • Você acha que sabe, mas…

  • O que o estudo avaliou (com direito a desenho!)

  • O que os resultados mostraram

  • Implicações práticas para pediatras

  • Em 1 minuto: o que você precisa lembrar

Por que você deveria se importar?

Porque metade das crianças com TDAH também têm problemas de sono.. e isso bagunça não só o comportamento, mas também o rendimento escolar, a qualidade de vida e até a saúde mental dos pais (e dá pra julgar? não dá)

A boa notícia? Intervenções comportamentais simples, rápidas e aplicáveis em atenção primária podem melhorar o sono e reduzir sintomas do TDAH. Isso significa menos sofrimento e, talvez, até menos ajustes de medicação.

É justamente por isso que vamos aprender sobre o tema hoje.. pra que você, pediatra de consultório, possa aplicar esse conhecimento com as suas famílias e colher os resultados disso. Bora!

Você acha que sabe, mas…

Muita gente ainda pensa que problemas de sono em crianças com TDAH são só “efeito colateral do estimulante” ou então algo secundário, sem relevância clínica. O artigo cutuca esse mito de frente.

Primeiro que boa parte das crianças do estudo já usava estimulantes e, mesmo assim, a intervenção de sono trouxe benefício. Isso mostra que não é “culpa da ritalina”.. é o sono, de fato, sendo um fator independente que modula sintomas.

Segundo: o ganho nos sintomas de TDAH foi modesto, mas clinicamente relevante, com reduções consistentes em escalas relatadas por pais e professores.

E detalhe: até 50% dessa melhora foi mediada pela melhora no sono. Ou seja, não foi placebo, nem coincidência, dormir melhor realmente ajudou a criança a controlar impulsividade e desatenção.

Terceiro que o impacto não ficou só na esfera “sintomas”... houve melhora na qualidade de vida e funcionamento diário da criança. Dormir melhor refletiu em menos problemas comportamentais e até em menos faltas no trabalho dos pais (o que, convenhamos, é quase um desfecho de saúde pública rs).

E por fim, talvez o maior “plot twist”: não precisa de grandes protocolos caros ou consultas infinitas. Duas sessões de orientação + um telefonema foram suficientes para gerar mudanças sustentadas até 6 meses.

Resumindo: achar que sono é detalhe no manejo do TDAH é como acreditar que café da manhã resolve só a fome, quando na real ele muda até sua capacidade de sobreviver até o meio-dia. Juro.

O que o estudo avaliou (com direito a desenho!)

Esse ensaio clínico randomizado recrutou 244 crianças entre 5 e 12 anos, todas com diagnóstico de TDAH confirmado. A grande sacada foi investigar se uma intervenção breve e estruturada para melhorar o sono poderia, de fato, impactar nos sintomas do transtorno.

Essas crianças foram divididas em dois grupos: um recebeu o cuidado habitual para TDAH, enquanto o outro participou de um programa simples de higiene do sono.

Esse programa consistia em duas sessões presenciais curtas, realizadas por profissionais de saúde treinados, além de um telefonema de acompanhamento algumas semanas depois. Relativamente simples, né?

E o foco da intervenção era bem prático: ajudar pais e crianças a criarem rotinas consistentes de sono, identificar e corrigir fatores que atrapalham o adormecer, e orientar sobre estratégias comportamentais para manter a regularidade.

Ou seja, não envolvia medicação nova, não exigia aparato tecnológico chique, apenas ajustes de rotina e educação direcionada.

Os pesquisadores então acompanharam essas crianças em três momentos: após 3 meses, 6 meses e 12 meses, aplicando questionários validados com pais e professores para medir tanto a gravidade dos sintomas de TDAH quanto a qualidade do sono.

Além disso, incluíram medidas de qualidade de vida e impacto familiar, o que permitiu uma visão mais ampla dos efeitos da intervenção.

O objetivo principal era ver se melhorar o sono poderia reduzir sintomas de desatenção e hiperatividade/impulsividade. Mas os autores também estavam atentos a algo maior: se uma medida aparentemente simples, barata e escalável poderia mudar a vida das famílias convivendo com TDAH… e adivinha?

O que os resultados mostraram

Os resultados desse ensaio clínico foram bastante animadores. Logo nos primeiros 3 meses, as crianças que receberam a intervenção em sono apresentaram uma melhora significativa nos sintomas de TDAH relatados pelos pais.

Isso incluía tanto aspectos de desatenção quanto de hiperatividade/impulsividade, sugerindo que o simples ajuste da rotina noturna já poderia aliviar parte das dificuldades diárias vividas por essas famílias.

Ah, e claro, além disso, houve uma melhora perceptível na qualidade do sono, com redução de despertares noturnos e maior regularidade nos horários de dormir e acordar.

Quando olhamos para os relatos dos professores, o impacto foi mais modesto... Houve tendência de melhora, mas nem sempre com significância estatística. Isso pode refletir tanto as diferenças de percepção entre pais e professores quanto as limitações do próprio ambiente escolar, onde múltiplos fatores competem com a atenção da criança.

Outro dado importante é que os benefícios não se restringiram apenas ao comportamento. As famílias relataram redução do estresse parental, melhora no funcionamento global da criança e até um impacto positivo em aspectos de qualidade de vida, mostrando que a intervenção ultrapassa a esfera “sono-TDAH” e pode trazer efeitos em cascata para o bem-estar de toda a família.

Vale destacar que, ao longo de 6 e 12 meses, os efeitos foram se atenuando. Ou seja, a intervenção curta funcionou bem a curto prazo, mas, sem reforços ou acompanhamento continuado, parte do benefício se perdeu com o tempo.

Isso não invalida a estratégia, mas reforça a necessidade de pensar em programas de suporte mais duradouros, ou até de incorporar a higiene do sono como parte regular do seguimento clínico do TDAH. Tanto quanto as medicações 👀

Implicações práticas para pediatras

Para nós, pediatras, o grande recado desse estudo é que higiene do sono não deve ser vista apenas como uma recomendação “acessória” no manejo do TDAH, mas sim como parte integrante da conduta clínica.

A investigação sistemática da rotina de sono, incluindo horários de dormir, tempo de tela antes de deitar, ambiente do quarto e despertares noturnos, precisa entrar no nosso checklist tanto quanto a avaliação de desempenho escolar ou de comportamento, por exemplo.

Muitas vezes, ajustar esses pontos pode gerar um impacto comparável ao de intervenções medicamentosas, especialmente nos quadros mais leves.

Outro aspecto importante é o timing da intervenção. O estudo mostra que os efeitos positivos aparecem de forma rápida, já nos primeiros meses, mas tendem a se diluir ao longo do tempo. Isso significa que, além de orientar, é necessário acompanhar, para que a criança possa manter os ganhos.

Também é papel do pediatra ajustar expectativas: nem sempre os professores vão perceber a mesma melhora relatada pelos pais, e isso não significa que o tratamento não esteja funcionando. Explicar essas diferenças de percepção ajuda a alinhar a comunicação com a escola e evita frustrações familiares…

Por fim, o estudo reforça algo que já é meio intuitivo na prática: cuidar do sono faz parte do famoso cuidar da criança “como um todo”. A melhora relatada em qualidade de vida, funcionamento global e até no bem-estar dos pais mostra que essa é uma intervenção de baixo custo, baixo risco e alto potencial de benefício.

Cabe a nós dar o devido peso a ela, para que não seja “ofuscada” pelas discussões quase sempre dominadas pela necessidade de medicação. Diga, se ser pediatra de consultório não é TUDO?! 😍

Em 1 minuto: o que você precisa lembrar

 Sono e TDAH têm uma relação de mão dupla: dormir mal piora os sintomas, e os sintomas dificultam o sono.

✅ Uma intervenção simples, focada em higiene do sono, reduziu sintomas de TDAH em poucos meses (principalmente segundo os relatos dos pais).

✅ O impacto positivo se estendeu além do comportamento: houve melhora na qualidade de vida, funcionamento global e até redução do estresse familiar.

✅ O efeito foi mais evidente no curto prazo; sem reforço, os benefícios diminuem com o tempo.

✅ Para o pediatra, isso significa: investigar rotina de sono sempre, orientar intervenções estruturadas e reforçar periodicamente as recomendações.

✅ É uma estratégia de baixo custo, baixo risco e que pode fazer muita diferença no manejo do TDAH.

Se você chegou até aqui, parabéns… você tá preparada(o) pra combater a geração da hipermedicalização com medidas milenares, que parecem simples, mas que existem há tanto tempo por um motivo: porque funcionam! rs 😅

Brincadeiras à parte, entender como o sono influencia o TDAH é um baita upgrade no nosso raciocínio clínico e mostra que, às vezes, o ajuste mais simples é o que mais transforma a vida de uma família.

Na próxima edição, vamos mergulhar em outro tema que promete mexer com nossa prática diária. Até lá, fica o convite: compartilhe a The Peds Journal com seus colegas pediatras e residentes.

Por que vocês já sabem, né? Conhecimento bom é aquele que a gente divide… de preferência depois de uma noite inteira de sono reparador. 💤

Beijinhos científicos,

Gabi do PDC