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#9: Mocinhos, vilões ou só marketing?
Probióticos na diarreia: nem todo sachê tem superpoderes.
EDIÇÃO #9
The Peds Journal
A newsletter da pediatria baseada em evidência - com leveza, profundidade e algumas risadas, por que não?!
“Biotônico Fontoura” do século XXI..
Já reparou que hoje em dia, tudo se resolve com probiótico? Mas.. posso ser acidinha? Já sendo: se probiótico resolvesse tudo, já teria virado tempero oficial de papinha de neném… mas não é bem assim, né?
Ps: se você sabe o que é biotônico fontoura, tá na hora de estimular colágeno rs 😅 Se você não sabe.. considere-se uma pessoa de sorte kkk
🧠 Como você vai ficar mais inteligente hoje
Tema: Probióticos no manejo da gastroenterite aguda em crianças
Fonte: ESPGHAN Position Paper on Probiotics for the Management of Pediatric Gastrointestinal Disorders – publicado em Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition (2023) – [clique aqui para acessar o artigo completo]
Por que você deveria se importar?
Você acha que sabe, mas…
O que o estudo avaliou
O que os resultados mostram
Implicações práticas para os pediatras
Em 1 minuto: o que você precisa saber
Por que você deveria se importar?
Se tem uma coisa que tira o sono de qualquer plantonista é a criança que chega vomitando, evacuando sem parar e deixando a família em pânico. A gastroenterite aguda é das causas mais comuns de internação e ainda gera muita prescrição duvidosa por aí..
Nos últimos anos, os probióticos viraram “queridinhos” de muita gente.. afinal, a ideia de que “bactéria boa combate bactéria ruim” é tentadora. Mas será que a ciência confirma essa aposta? O artigo da ESPGHAN que vamos discutir hoje coloca ordem nessa bagunça e revisa, com lupa, quais cepas podem ser consideradas, quais não funcionam e, claro, onde ainda falta evidência.
Spoiler: não é porque está escrito “probiótico” no rótulo que vai fazer diferença na diarreia do seu paciente.
Você acha que sabe, mas…
Começando pelo óbvio (amo): probiótico não é tudo igual! E falando especificamente em diarreia, que é o tema do paper, não adianta a gente sair por aí recomendando “qualquer pozinho” achando que vai funcionar.
O efeito do probiótico é cepa-específico, e o que a indústria vende nem sempre é o que os estudos mostram… aí é que mora o perigo.
Além disso, a recomendação já mudou. Lembra quando Lactobacillus e Saccharomyces eram prescrição quase automática? Pois é… depois de dois estudos grandes na América do Norte mostrando ausência de benefício, as diretrizes começaram a esfriar o entusiasmo. Hoje, a recomendação é bem mais cautelosa.
Moral da história: probiótico não é receita de bolo. Tem que saber qual cepa, qual dose, qual tempo e se realmente faz sentido no seu paciente. E é isso que vamos tentar discutir hoje aqui na TPJ 🥰
O que o estudo avaliou
A ESPGHAN revisou mais de 150 ensaios clínicos randomizados e 16 meta-análises sobre probióticos em crianças com gastroenterite aguda. O objetivo foi verificar se alguma cepa ajudava a:
reduzir a duração da diarreia,
diminuir o risco de hospitalização,
e/ou reduzir o volume de evacuações.
As cepas mais estudadas foram Lacticaseibacillus rhamnosus GG, Saccharomyces boulardii, Limosilactobacillus reuteri DSM 17938 e outras combinações de lactobacilos específicos.
O que os resultados mostram
Depois de revisar mais de 150 estudos, a ESPGHAN concluiu que nenhum probiótico é bala de prata contra gastroenterite aguda. Mas alguns mostraram um sinal de benefício, ainda que pequeno, que justificou uma recomendação fraca a favor.
✅ Cepas que podem ser consideradas (recomendação fraca):
L. rhamnosus GG: foi a cepa mais estudada e mostrou reduzir discretamente a duração da diarreia (em média, menos de 1 dia). O efeito é modesto, mas consistente em alguns contextos, especialmente fora da América do Norte.
S. boulardii: também apresentou benefício semelhante, reduzindo duração e intensidade da diarreia, além de alguns estudos apontarem menor risco de hospitalização.
L. reuteri DSM 17938: os estudos sugerem que pode acelerar a resolução dos sintomas, mas a evidência é mais limitada em número e qualidade.
Combinação L. rhamnosus 19070-2 + L. reuteri DSM 12246: aqui, a associação mostrou redução da diarreia em até 1 dia nos estudos incluídos, mas a qualidade da evidência também foi baixa.
Mas por que só recomendação fraca? Porque os efeitos foram pequenos, a heterogeneidade dos estudos é alta (resultados diferentes em populações distintas) e a qualidade da evidência foi classificada como baixa a muito baixa.
Na prática, significa que pode funcionar em alguns casos, mas não há “robustez” suficiente para generalizar…
❌ Cepas que NÃO devem ser usadas
L. helveticus R0052 + L. rhamnosus R0011: a evidência não só mostrou ausência de benefício, como em alguns cenários levantou a possibilidade de resultados piores. Por isso, a ESPGHAN fez uma recomendação forte contra.
Bacillus clausii: não apresentou benefício consistente em nenhum desfecho clínico relevante. A recomendação foi fraca contra, principalmente por falta de evidência.
Resumo da ópera: existe uma “zona cinzenta” em que algumas cepas podem ser tentadas como adjuvante (desde que a formulação seja a correta, na dose certa, por 5–7 dias). Mas, pega o grifa texto rosa: nenhuma substitui o tratamento base, com hidratação oral, dieta adequada e monitorização clínica
Implicações práticas para os pediatras
Na prática do consultório, o recado da ESPGHAN é simples: probióticos até podem ser usados, mas sempre como adjuvantes e nunca como protagonistas
O manejo da gastroenterite continua sendo construído sobre três pilares já usados pelos INCAS: hidratação, alimentação adequada e observação clínica (e paciência, rs).
Quando se fala em probióticos, não dá pra cair na armadilha de achar que “qualquer um serve pra tudo”. Se a opção for prescrever, precisa ser a cepa certa, na dose certa e pelo tempo certo, porque a evidência só existe para alguns poucos, e mesmo assim, com benefício discreto.
Ou seja, o papel do pediatra é justamente filtrar a expectativa: orientar famílias de forma clara de que o uso é opcional, com efeito limitado, e que nenhum probiótico substitui o que realmente salva nessa história: um bom manejo clínico.
Em 1 minuto: o que você precisa lembrar ⏱
✅ Probióticos não são todos iguais: só algumas cepas mostraram benefício, e mesmo assim com recomendação fraca e evidência baixa.
✅ Podem ser considerados (como adjuvantes, não como tratamento principal):
L. rhamnosus GG – ≥10¹⁰ UFC/dia, por 5–7 dias
Saccharomyces boulardii – 250–750 mg/dia, por 5–7 dias
L. reuteri DSM 17938 – 10⁸–4×10⁸ UFC/dia, por 5 dias
Combinação L. rhamnosus 19070-2 + L. reuteri DSM 12246 – 2×10¹⁰ UFC de cada, por 5 dias
❌ Não devem ser usados:
L. helveticus R0052 + L. rhamnosus R0011 (recomendação forte contra)
Bacillus clausii (recomendação fraca contra)
✅ Benefícios quando presentes são modestos: redução de menos de 1 dia na duração da diarreia.
✅ O pilar do tratamento continua sendo hidratação oral, alimentação adequada e vigilância clínica — probiótico entra como extra, não como protagonista.
Se você chegou até aqui, parabéns: já sabe diferenciar melhor os probióticos úteis dos figurantes dessa “novela pediátrica” (e isso, convenhamos, já é meio caminho andado para não cair em prescrições de efeito placebo e gosto de iogurte rs).
Probióticos podem até ter o seu papel na gastroenterite aguda, mas a estrela desse show ainda é a boa e velha hidratação.
O que a ESPGHAN deixa claro é que, se o pediatra decidir prescrever, precisa ser com critério: cepa, dose e tempo certos.
E no fim das contas, nosso maior trabalho não é só escolher entre cepas, mas alinhar expectativas com as famílias, lembrando que a recuperação depende muito mais do copinho de soro oral do que de uma cápsula cara da farmácia..
Quanto mais a gente lê, discute e compartilha essas evidências, mais difícil fica cair na tentação de prescrever “o probiótico da moda” só porque o vizinho da mãe da criança disse que funcionou. Então… que tal encaminhar essa news pro colega que ainda acha que sachê probiótico cura até tombo de bicicleta? 😅
E claro, semana que vem tem mais.. Porque se probiótico pode ajudar a flora intestinal, ler a The Peds Journal é suplemento garantido pro raciocínio clínico (e sem contraindicação, sem bula confusa e com efeito colateral positivo - nem que seja dar algumas risadas kkk)
Beijinhos científicos,
Gabi do PDC