The Peds Journal | Edição #1

A newsletter da pediatria baseada em evidência -com leveza, profundidade e algumas risadas, porque não?!

Sabe aquela agonia de medicar toda e qualquer criança “quentinha”?

Pois é, abandone ela, por favor. Às vezes, o corpo está fazendo exatamente o que deveria fazer: reagir. E é de bom tom não atrapalharmos, rs.

🔎 Como você vai ficar mais inteligente hoje

Tema: Febre aguda em pediatria — atualização da SBP Fonte: Documento Científico da Sociedade Brasileira de Pediatria (Departamentos de Pediatria Ambulatorial e Infectologia), nº 206, publicado em 15 de maio de 2025 - ver documento na íntegra aqui: FEBRE - SBP

● Por que você deveria se importar?
● Você acha que sabe, mas não sabe…
● Aquilo que você não quer estudar, mas precisa...
● Avaliação da criança com febre
● Antitérmicos: quando e como utilizar?
● Em 1 minuto o que você precisa lembrar

🌡 Por que você deveria se importar?

A febre representa até 30% das queixas em consultas pediátricas. Ainda assim, permanece envolta em crenças equivocadas que geram ansiedade, intervenções desnecessárias e medicalização excessiva. A atualização da SBP propõe uma revisão técnica e acessível sobre o papel da febre, seus mecanismos fisiológicos e o uso racional de antitérmicos.

💙 Você acha que sabe, mas… as coisas mudam

“A febre, quando medida por temperatura axilar, é geralmente definida como uma temperatura igual ou superior a 37,5°C, correspondendo a 38°C por via oral ou retal.”

Definição “nova”, bebê. Esqueça a história do 37,8. Ou do 37,3. Mudou.

Mas nem todo aumento de temperatura significa doença: há oscilações fisiológicas ao longo do dia (ritmo circadiano), com temperaturas mais baixas na madrugada e mais altas no fim da tarde. Em lactentes, a variação pode chegar a 1°C. Interpretar um valor isolado, sem contexto, pode levar a erros.

E só pra lembrar... a termorregulação é coordenada pelo hipotálamo, que equilibra produção e perda de calor:

  • Produção: metabolismo basal (ATP), alimentação, atividade física, hormônios.

  • Perda: radiação (60%), evaporação (25%), convecção e condução.

Precisamos lembrar que, em lactentes, a sudorese é limitada (glândulas imaturas), o que reduz a evaporação como via de perda de calor. Eles também passam mais tempo deitados, aumentando a importância da condução. Além disso, roupas em excesso dificultam a perda por radiação.

O resultado? Maior risco de hipertermia, especialmente em ambientes quentes (ou se estiverem muito agasalhados, por exemplo).

Mas, como o básico precisa ser dito, vamos começar do começo…

🧬 Aquilo que ninguém quer estudar, mas precisa...

Fisiopatologia da Febre

O que acontece é que, na febre verdadeira (diferente da hipertermia), há um reajuste do “set point” hipotalâmico. O corpo decide elevar a temperatura como parte de uma resposta coordenada a agressores externos, especialmente infecciosos.

Esse processo é mediado por citocinas pirogênicas endógenas, como IL-1, IL-6 e TNF-α, que ativam mecanismos defensivos:

  • Macrófagos: sua ação bactericida é potencializada pela instabilidade das membranas lisossomais em altas temperaturas;

  • Linfócitos: a febre estimula sua transformação e acelera a produção de anticorpos;

  • Metabolismo do ferro: há inibição da absorção intestinal e aumento da captação hepática de ferro, dificultando a replicação bacteriana. Isso pode causar queda transitória de hemoglobina de até 3 g/dL, o que muitas vezes é interpretado erroneamente como anemia.

Eu sei que já falamos, mas não custa repetir...

1) Febre ≠ hipertermia:
Na febre, o aumento térmico é controlado e intencional. Já na hipertermia, há falha na dissipação de calor, comum em ambientes quentes ou excesso de agasalho, com risco real de dano térmico.

2) 🧾 Febre não é doença, é sinal:
O documento reforça que a febre não é um mal a ser combatido imediatamente, mas um sinal clínico a ser interpretado com base no estado geral da criança.
A febre é um indicativo de que o organismo está reagindo e, muitas vezes, ajudando no controle da infecção.

🛌 Avaliando a criança com febre

A febre deve ser avaliada no contexto do estado geral:

Mas.. e quando precisar de medicação, como e qual prescrever?

 💊 Antitérmicos: como e quando utilizar? 

De novo… a prescrição deve ter como objetivo o alívio do desconforto. A SBP alerta contra o uso indiscriminado ou alternado de antitérmicos, e destaca a importância de respeitar intervalos e doses adequadas.

Substância

Dose

Intervalo

Máx. diário

A partir de

Dipirona

10–20 mg/kg/dose

6/6h

4x/dia

>3 meses ou >5 kg

Paracetamol

10–15 mg/kg/dose

4–6/6h

5x/dia

>3 meses ou >5 kg

Ibuprofeno*

5–10 mg/kg/dose

6–8/8h

4x/dia

>6 meses ou >7 kg

*Ibuprofeno: contraindicado em casos de desidratação, distúrbios gastrointestinais ou suspeita de arboviroses.

Todos os antitérmicos aprovados no Brasil seguem rigorosos critérios de controle e eficácia.
O documento da SBP reforça: não há necessidade de alternância de antitérmicos de rotina. A escolha deve respeitar idade, peso e contexto clínico, portanto.

Ai.. muito conteúdo, não dá pra resumir? rs

📌 Em 1 minuto: o que você precisa lembrar?

  • Febre = temperatura axilar ≥37,5°C. Mas contexto e estado geral são mais importantes que o número.

  • Termorregulação em crianças pequenas é diferente: atenção à hipertermia.

  • Febre ajuda o sistema imune: ativa macrófagos, linfócitos e reduz ferro circulante.

  • Antitérmicos: usar apenas com desconforto. Respeitar dose, idade e intervalo – da uma olhada (e uma printada) na tabelinha novamente hehehe

  • Ibuprofeno: evitar em arboviroses e crianças desidratadas e lembrar que toda vez que você prescreve um aliviun, alguns “nefronzinhos” choram 🙃

✨ Bom, até a próxima…

Se você chegou até aqui, parabéns: seu raciocínio clínico sobre febre provavelmente já está mais calibrado que muito termômetro por aí kkk

E que bom, porque na pediatria, interpretar bem um sinal é meio caminho para um cuidado de excelência.

Na próxima edição, vamos mergulhar em outro tema fundamental para quem atende crianças todos os dias. Enquanto isso, fica o convite: compartilhe a The Peds com colegas e residentes.

Afinal, conhecimento bom é aquele que a gente divide – de preferência, tomando um cafezinho BPA free (os residentes vão entender rs)