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#11: Um “escudo” na Doença Falciforme
SBP reforça esquema ampliado até 2028.
EDIÇÃO #11
The Peds Journal
A newsletter da pediatria baseada em evidência - com leveza, profundidade e algumas risadas, por que não?!
Calendário vacinal atualizado é tipo prova de residência…
…quem vacila, reprova! E se estamos falando de um paciente com doença falciforme, reprovar pode custar caro demais. Não seja essa pessoinha.
🧠 Como você vai ficar mais inteligente hoje
Tema: Vacinação em pacientes com doença falciforme: atualizações da SBP (2025–2028)
Fonte: Documento Científico da Sociedade Brasileira de Pediatria (Departamentos de Hematologia/Hemoterapia e Imunizações) – publicado em 02 de setembro de 2025
Link para acesso: [acesse o documento na íntegra aqui]
Por que você deveria se importar?
Você acha que sabe, mas…
Quais vacinas entram no esquema “adicional”?
Manejo de vacinas vivas
Pontos-chave do calendário vacinal atualizado
Em 1 minuto: o que você precisa lembrar
Por que você deveria se importar?
Posso ser direta e reta? Pode: porque pacientes com doença falciforme (DF) têm uma coisa chamada asplenia funcional precoce e, por conta ela, uma vulnerabilidade absurda a infecções graves por germes encapsulados (Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae tipo b, Neisseria meningitidis).
Sepse, pneumonia e meningite continuam entre as maiores causas de morbimortalidade nesse grupo.. e a vacinação é um dos pilares que realmente pode mudar esse destino. Simples assim.
Vacinar é SEMPRE importante, mas aqui é literalmente uma medida salvadora de vidas, lado a lado com a profilaxia antibiótica e o acompanhamento multiprofissional.
Ah, e claro, um outro motivo pelo qual isso importa é porque um das nossas fundadoras é hematologista e se esse documento não virasse e-mail científico ela ia ficar bem #chateada rsrsrs te amamos, Julie! 🤣🫶
Você acha que sabe, mas…
Nem sempre “seguir o calendário do PNI” é suficiente. Crianças e adolescentes com doença falciforme precisam de esquemas ampliados, reforços adicionais e, muitas vezes, acesso a vacinas via CRIE (Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais).
Outro ponto: vacinas vivas (como tríplice viral, varicela e febre amarela) podem ser contraindicadas em cenários específicos, como em uso de hidroxiureia com neutropenia ou em pacientes transfundidos recentemente.
Ou seja, é preciso mais que a “memória automática” de calendário.. se você tem um paciente com doença falciforme, a prescrição das vacinas é personalizada.
Quais vacinas entram no esquema “adicional”?
Como dito anteriormente, o calendário vacinal do paciente com doença falciforme é tudo, menos “básico”.
Se estivermos falando de uma criança que recebe vacinas via SUS, além das vacinas de rotina do PNI, ela também precisa receber um esquema ampliado e reforçado, já que a asplenia funcional precoce as deixa particularmente vulneráveis a infecções graves.
O documento da SBP organiza assim:
Vacinas Pneumocócicas:
São o pilar da proteção.
Iniciar o esquema com vacinas conjugadas VPC13, VPC15 ou VPC20, mesmo se a criança já recebeu VPC10 (veja abaixo como fazer a transição).
Associar a vacina polissacarídica (VPP23) em idades apropriadas, para ampliar a cobertura contra sorotipos não contemplados pelas conjugadas.
Importante: prever reforços conforme a faixa etária e situação vacinal prévia.
Haemophilus influenzae tipo B (Hib)
Apesar de ser parte da rotina, no paciente com DF a atenção deve ser redobrada: garantir o esquema completo e considerar reforço até os 5 anos, ou mais tarde em contextos de risco.
Vacinas Meningocócicas:
MenACWY deve ser iniciada precocemente (a partir de 3 meses), com esquema primário e reforços a cada 5 anos.
A MenB recombinante também é indicada, ampliando a proteção.
Influenza
Vacinação anual e universal em todas as idades (lembre-se que, pro paciente com DF, uma simples gripe pode precipitar complicações como a síndrome torácica aguda)
Hepatites A e B
Devem estar em dia. No caso da hepatite B, atenção especial a pacientes politransfundidos, já que o risco de transmissão aumenta.
COVID-19
Como são do grupo de risco, os pacientes com DF devem receber reforço anual dessa vacina.
É.. enquanto o calendário vacinal de uma criança hígida funciona como um “manual padrão”, o do paciente com doença falciforme precisa ser visto como um manual com capítulos extras e revisões frequentes.. E ignorar esses adicionais pode custar caro em termos de morbimortalidade. Em resumo: não ignore rs
Manejo de vacinas vivas
Aqui mora uma das maiores dúvidas na prática: podemos ou não podemos aplicar vacinas vivas nesses pacientes? A resposta (como quase tudo em medicina) é: depende.
Quando estamos diante de um paciente com doença falciforme que precisa receber uma vacina de vírus vivo atenuado, algumas situações precisam ser levantadas:
Uso de hidroxiureia:
Em pacientes com DF, a hidroxiureia é cada vez mais utilizada e tem impacto positivo na evolução clínica.
Problema: seu uso pode levar à neutropenia. Nesses casos, vacinas vivas atenuadas (como tríplice viral, varicela, febre amarela e dengue) devem ser adiadas até que os neutrófilos se normalizem.
Se o paciente faz uso da medicação, mas está estável e sem neutropenia, as vacinas vivas podem ser aplicadas normalmente, respeitando a faixa etária e os intervalos habituais.
Transfusões de sangue e hemoderivados:
A transfusão é parte da rotina em muitos pacientes com DF, seja em crises ou como profilaxia.
O detalhe: imunoglobulinas presentes em alguns hemoderivados podem neutralizar a resposta às vacinas vivas.
Por isso, o documento da SBP orienta observar intervalos específicos entre transfusão e vacinação:
Na prática:
Sempre que o paciente estiver em uso de hidroxiureia, vale checar hemograma antes de liberar vacinas vivas.
Em crianças politransfundidas, confirmar o tipo de hemocomponente recebido e respeitar o intervalo recomendado.
Se o calendário vacinal estiver atrasado, lembrar que a atualização deve ser feita assim que a condição clínica permitir
Ou seja, não é proibir por padrão, mas personalizar. Avaliar caso a caso, respeitar a segurança e, sempre que possível, coordenar com a equipe de hematologia para alinhar melhor o timing da vacinação.
Pontos-chave do calendário vacinal atualizado
A vacinação de rotina (BCG, hepatite B, tríplice viral, DTP, polio, etc.) continua obrigatória e deve ser seguida à risca. Nada de “pular dose” porque o paciente já tem um calendário mais complexo.
As vacinas pneumocócicas exigem mais atenção: crianças com doença falciforme precisam receber vacinas conjugadas 13, 15 ou 20-valente, mesmo se já tiverem o esquema completo com a Pneumo-10.
Além disso, a vacina polissacarídica 23-valente (PPSV23), em esquema sequencial, deve ser recomendada aos 2 anos, com reforço após 5 anos dessa primeira dose.
A proteção ampliada contra pneumococo é prioridade máxima, já que a asplenia funcional aumenta absurdamente o risco de infecção invasiva.
Vacinas meningocócicas ACWY e B são essenciais, com doses extras e reforços programados de acordo com idade. Aqui não cabe “ver se dá”... é mandatório.
A influenza anual e a hepatite A não podem ser esquecidas. A gripe pode precipitar crises, e a hepatite A deve ser considerada em todas as idades, dado o risco aumentado em situações de transfusão.
A vacina contra Haemophilus influenzae tipo b (Hib) também entra com reforço, mesmo em crianças que já receberam a dose no primeiro ano de vida, garantindo cobertura adequada.
O documento ainda detalha a necessidade de esquemas de “resgate” em pacientes com atrasos vacinais, lembrando que nunca é tarde para atualizar a proteção e que cada dose importa.
O recado é claro: vacinar cedo, reforçar sempre e adaptar o calendário às necessidades específicas dessa população 💉
Em 1 minuto: o que você precisa lembrar
Rotina = o mínimo: siga o calendário padrão (BCG, hepatite B, tríplice viral, DTP, polio, etc.).
Pneumococo é prioridade máxima:
Conjugada (PCV13/PCV15/PCV20 - mesmo em quem tem esquema completo com PCV10) +
Vacina Polissacarídica (PPSV23) em esquema sequencial.
Meningococo (ACWY e B): doses extras + reforços.
Influenza anual: sem desculpas, todo ano.
Hepatite A: considerar em todas as idades, principalmente pelo risco transfusional.
Hib: reforço mesmo em vacinados no 1º ano.
Atrasou? Resgata!: atualizar é sempre melhor que deixar vulnerável.
Vacinas vivas: cuidado em quem usa hidroxiureia ou fez transfusão (checar prazos antes de aplicar).
Se você chegou até aqui, parabéns, seu raciocínio está mais protegido que criança com esquema vacinal atualizado no CRIE 😅 (e a redatora desse e-mail ta igual esse meme aqui, a cada semana que passa kkkk)

Mas voltando ao assunto sério, lembre-se: no cuidado da doença falciforme, cada dose de vacina aplicada vale como um escudo contra sepse, meningite e internações desnecessárias…
A carteirinha de vacinação aqui é, literalmente, parte do tratamento. A criança com doença falciforme precisa de um calendário mais intenso, precoce e vigilante.
E por falar em vigilante, fique de olho, porque na próxima edição, seguimos juntos descomplicando outro tema que parece simples, mas esconde armadilhas no nosso dia a dia.
Enquanto isso, compartilhe a The Peds Journal com colegas e residentes: conhecimento, assim como imunidade, funciona melhor quando circula em comunidade rs
Beijinhos científicos,
Gabi do PDC